CIRCULARIDADE, UM FUTURO PRÓSPERO PARA TODOS
Mesmo com muitos avanços ainda há lacunas no caminho que leva à maturidade do modelo de produção circular. Quando se considera o pensamento holístico em torno dos processos fica evidente que esses gaps têm origem em diferentes vias. Embora algumas marcas tenham iniciado o redesenho de seus negócios, o ponto focal continua quase restrito a repensar o ciclo de vida dos produtos. No entanto, dirigir o olhar para as pessoas é também um desafio que não pode ser adiado, e representa uma das grandes complexidades em torno da transição para o modelo de produção circular em conjunto com as transformações da indústria 4.0.
Muitos trabalhadores, especialmente nas fases iniciais da cadeia de valor, continuam expostos a situações de menor segurança a sua integridade física e saúde, como incêndios em fábricas e utilização de produtos químicos tóxicos. A natureza fragmentada da cadeia de suprimentos da indústria da moda torna ainda maior a problemática de implantar e rastrear a prática de trabalho justo de ponta a ponta. Espera-se que com o fim das vantagens da produção de baixo custo muito discutida nos últimos tempos, as empresas invistam em tecnologia e eliminem tarefas repetitivas e perigosas, permitindo que esses trabalhadores desenvolvam novas habilidades para atuar em funções mais criativas e recompensadoras.
Imagem 1: Força de trabalho
Uma proporção significativa da força de trabalho do setor de vestuário atua na economia informal e enfrenta situações de vulnerabilidade crescente. Quando a marca de moda trabalha de forma mais estreita com os fabricantes fortalece a sua conformidade e cria mecanismos para manter registros transparentes, levando a um ecossistema de fornecimento colaborativo. A articulação dos stakeholders pode ter como consequência imediata a implementação de melhorias nos sistemas salariais, que além de melhorar a vida dos trabalhadores e de suas famílias por meio do acesso a saúde, segurança e educação, também aumenta a qualidade da produção e a confiabilidade no negócio.
O discurso de vamos ser sustentáveis, consumir de maneira consciente e pensar no futuro 4.0, precisa considerar para onde irá a mão de obra que hoje sustenta a moda. Este é o momento de voltar o olhar para outras formas de colaboração e o ponto de virada está localizado na necessidade de estabelecer um diálogo social entre todos os atores envolvidos no processo. Isso significa a participação dos trabalhadores, dos empregadores e dos governos na tomada de decisões em matéria de emprego e condições de trabalho.
A natureza global da crise de habilidades requer que as empresas colaborem para fornecer capacitação coorporativa com esforços concentrados em requalificar os seus trabalhadores. O acesso à aprendizagem de alta qualidade deve ser concedido em uma escala sem precedentes, diante da necessidade de preparar as pessoas face ao deslocamento em massa de empregos. Especular as implicações futuras do processo de transição do sistema fabril demanda uma compreensão do momento presente. O que precisa ser feito em termos de estímulo à capacitação profissional para um futuro mais digno, justo e próspero? Os empregos emergentes na economia global incluem diversas profissões, mas, para todas as oportunidades que a nova economia trará, será crucial o desenvolvimento de novas habilidades.
Para tirar o maior proveito do uso da tecnologia é preciso considerar o fator humano de forma que o desenvolvimento seja positivo para todos. Ao contrário do que se acredita, o avanço da tecnologia na indústria não precisa significar a eliminação de todos os postos de trabalho. É possível pensar o uso da tecnologia como parte do processo, como uma potencializadora dos talentos humanos.
Imagem 2: Colaboração
Já foi dito aqui que a implantação de sistemas circulares prevê a geração de muitas oportunidades. Para que se tenha uma ideia, um estudo realizado no Reino Unido aponta que se as taxas de coleta de têxteis triplicassem até 2030, esses resíduos poderiam valer mais de € 4 bilhões para a economia mundial. A estimativa representa o valor dos produtos apenas considerando que estes não iriam parar em aterros sanitários. Mas, se a indústria encontrasse uma forma de coletar e reciclar todas as fibras, o cálculo poderia chegar a € 80 bilhões. Aqui no Brasil, a capacidade de reciclagem têxtil ainda é ínfima. Um levantamento realizado pela pesquisadora Mariana Correa do Amaral identificou apenas duas empresas, de médio e grande porte, com capacidade de processamento de grandes volumes, mas, apesar da estrutura ambas trabalham apenas por demanda.
Mudar para um sistema de moda circular, exige solidificar vocações, fornecer capacitação contínua, desenvolver novos conjuntos de habilidades e métodos de produção. Quando se pensa em um roadmap da transição os pré-requisitos do trabalho básico aparece como primeiro item. O propósito deve ser chegar a um futuro do trabalho que estima o potencial humano e cria prosperidade amplamente compartilhada. As tecnologias que conhecemos atualmente terão um enorme crescimento nas próximas décadas e é muito provável que sejam capazes de transformar toda escassez em abundância, tudo vai depender da rota escolhida agora.
Imagens: Daan Stevens no Pexels; Nigel Tadyanehondo no Unsplash; Aarón Blanco Tejedor no Unsplash.