COLEÇÕES RESILIENTES: ESTOQUES, UM PROBLEMA ATUAL E COMO PREVENIR EXCESSOS NO FUTURO. (Parte 1/3)
Comércio fechado
Estoques parados, peças cortadas, tecidos comprados
Pedidos cancelados
Recursos e insumos limitados
Crise econômica
E agora?
A moda é um modelo de negócios que tradicionalmente produz sobras em grandes quantidades. O ritmo de produção e renovação contínua imposto pelo fast-fashion, calendários de lançamento que, de forma surreal, se sobrepõem às estações e coleções e chegam às lojas um mês e meio antes de entrar em promoções com até 50% de desconto, confirmando que a forma como estávamos trabalhando não se alinha mais às estações do mundo real (roupas de primavera chegam no meio do inverno e os casacos de inverno chegam às lojas ainda no verão). Em consequencia da parada obrigatória na produção, coleções no mundo inteiro chegarão atrasadas nas lojas e desta vez, já com remarcações em prática. Isto tem provocado debates devido ao aumento da conscientização sobre a enorme quantidade de produtos de moda que inundam o mercado. A moda, que tem sido uma indústria de segredos e individualismo, às vésperas do desconfinamento no hemisfério norte, finalmente se abriu para um debate que resultou num manifesto (#rewiringfashion), com adesão de marcas e designers independentes exigindo o fim dos “produtos desnecessários”, alertando sobre a indústria do desperdício e sobre o excesso de viagens, confirmando que o futuro é sobre colaboração e conscientização.
Enquanto os debates estão aquecidos, o momento é oportuno para pensar em estratégias de retorno e, principalmente na reformulação dos processos que levaram a um dos maiores problemas de todas as empresas de moda: o que fazer com estoques parados e como evitá-los daqui para frente, uma vez que ainda permaneceremos em estado de alerta por um ou dois anos segundo as previsões de profissionais de saúde e economia?
Produtos certos, no lugar certo, na quantidade e hora certas
Encontrar e apontar soluções para esta fórmula de forma preventiva, sempre foi uma das temáticas presentes em nossos relatórios de tendência e ações de consultoria em moda do SENAI CETIQT nos últimos anos. Como já havíamos sinalizado e hoje, mais do que nunca, todos os caminhos apontam para soluções pautadas em flexibilidade e resilência, considerando como prioridade a eficiência ao invés da quantidade. Quando isto não acontece, o resultado já é bastante conhecido por todos nós.
Medidas a curto prazo: o que fazer com estoques parados?
O estoque não vendido é um problema global. Com as lojas fechadas e os consumidores abrigados em casa, a indústria da moda entrou num estágio de sobrevivência e a primeira (e mais rápida providência), foi migrar para o modo de liquidação, chegando a oferecer grandes margens de descontos e frete gratuito para escoar os produtos nas prateleiras. Uma estratégia arriscada, que tem como referência a crise de 2008, que resultou num efeito dominó temporada após temporada, pois os consumidores se acostumaram a esperar a "estação dos descontos" para comprar. Embora o desconto seja uma rota eficiente para liberar estoque e gerar novos clientes, é uma prática que funciona a curto prazo e apresenta inúmeros riscos.
O direcionamento para vendas online pode aliviar parte da pressão sobre o estoque de produtos acabados, no entanto, algumas empresas podem não ter recursos logísticos para lidar com a súbita reação dos consumidores às compras online durante o bloqueio. Marcas de moda que já estavam online antes da pandemia e que já possuíam recursos logísticos mais eficientes estão, sem dúvida, se saindo melhor durante a quarentena. Vale chamar a atenção para as empresas que não recorrem às vendas on-line, que podem passar por dificuldades significativas, agora e no futuro.
Muitos produtos das coleções estarão, com certeza, fora de temporada quando as portas se abrirem novamente deixando um desafio à medida que os compradores de varejo (uma vez que também precisam monetizar seus estoques) e os consumidores vão querer pular uma estação e ir direto para a próxima temporada. Realocar estoques em outras regiões, é uma alternativa pouco praticada no Brasil, mas ainda pode ser uma opção, já que estamos no início da temporada do inverno; ainda existe a possibilidade de redirecionar os produtos para canais secundários como plataformas de revenda ou pontas de estoque multimarcas.
E por último, ainda há a opção do upcycling de primeiro uso em escala, método de reaproveirtamento de mercadorias ou de tecidos já em estoque ou já cortados (deadstock, estoque morto em inglês); uma forma sustentável e bem econômica de lidar como problema e que já foi adotada como modelo de negócios por empresas como a ReCode e Raeburn. Tal medida requer cuidados, principalmente com tecidos que já foram cortados (principalmente os tecidos com elastano) e exige uma reavaliação criteriosa, caso a caso e com foco no seu público, para classificar cada item a ser transformado, além de envolver toda a equipe de desenvolvimento de produtos, de produção e até a área comercial. Este processo exige abandonar preconceitos para trocar a liberdade de escolha de trabalhar com materiais virgens, pelo desafio criativo de lidar com peculiaridades limitadas das peças ou cortes disponíveis.
Moletons retrabalhados com tye dye: uma nova cara para um velho conhecido.
Sempre colocando o seu consumidor em primeiro lugar, seguem algumas dicas para implantar esse processo:
1- O produto/ tecido pode ser armazenado e reaproveitado no próximo ano?
2- O estilo/cor/estampa do tecido é atemporal? Pode ser imediatamente aproveitado para o verão? A composição permite o reaproveitamento por meio de algum processo de acabamento (tingimento, lavagem, por exemplo)?
3- O produto pode ser desconstruído e transformado em outra peça, ou redirecionado para outra categoria (por exemplo, máscaras sociais?)
4- É possível criar coleções cápsulas, em quantidades menores, sabendo que não haverá reposição?
5- A empresa está preparada ou pode se adequar para implantar essa estratégia?
Conclusão: nenhuma solução ajuda a eliminar por completo a superprodução muito menos mitigar perdas financeiras. A superprodução é resultado de previsões de demanda calculadas incorretamente e pressões do mercado que impõe um ritmo acelerado que acaba por induzir ao erro. Prevenir e planejar coleções mais resilientes é um assunto que trataremos em sequencia em:
Coleções Resilientes: Monitoramento dos Processos de Desenvolvimento de Produtos (parte 2/3)