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Precisamos falar sobre a vida das roupas

Nas últimas semanas, o debate sobre o descarte de roupas esteve nos trending topics dos sites de pesquisa depois da veiculação de uma matéria sobre o acúmulo de peças de vestuário no deserto do Atacama, no Chile. Lamentavelmente, este não é um caso isolado, diferentes territórios enfrentam o mesmo problema.

Aterros clandestinos, como o do deserto do Atacama, que é a maior área de depósito de roupas a céu aberto do mundo, acumulam peças que podem levar cerca de 200 a 400 anos para se decompor, quando produzidas com fibras sintéticas, e de 10 a 20 anos, quando são produzidas com fibras naturais. O tempo de decomposição varia de acordo com a natureza dos materiais utilizados na manufatura das peças.

Considerando que o Brasil possui a quinta maior indústria têxtil do mundo, o país tem um grande potencial para se tornar referência na reciclagem deste tipo de material. As peças prontas descartadas e as aparas de tecido podem ser transformadas em insumo e retornar ao ciclo produtivo da própria indústria, ou se tornar matéria-prima para abastecer outras cadeias.

Para pensar em soluções de reciclagem do volume de têxteis que são descartados diariamente em todo o mundo, é preciso lançar um novo olhar para o que hoje é percebido como “sem utilidade”. A economia circular, pautada em reduzir a geração de resíduos e na longevidade dos materiais, aponta para caminhos alternativos que podem remediar o impacto do descarte.

A circularidade pode ser atribuída a reinserção de peças de roupas em novos ciclos de produção e consumo e a reciclagem de resíduos têxteis de diversas maneiras, como por exemplo, no aprovisionamento da produção como insumos circulares, na recuperação de recursos, no aumento da vida útil dos produtos, na substituição da posse pelo compartilhamento, na ampliação do produto como serviço etc.

Para isso, é basilar ter uma visão sistêmica do processo a partir do conhecimento das características de toda a cadeia produtiva e de valor, o que inclui articular os stakeholders e potenciais atores que possam ser integrados à rede, para criar articulações com empresas parceiras, associações e cooperativas que possam realizar a coleta, separação, desmontagem e processamento do que é recuperado.

Algumas iniciativas já estão sendo realizadas e mostram como é possível recuperar e atribuir valor ao que hoje é descartado. A Cotton Move, por exemplo, desenvolve tecidos sustentáveis a partir da reciclagem do denim; a Retalhar, transforma o descarte de uniformes profissionais em cobertores e brindes exclusivos;  e ainda, a Revoada, que criou uma linha de produtos utilizando tecidos de guarda-chuvas e pneus descartados, mostrando que também é importante olhar para os resíduos de outras cadeias. 

Estes são alguns cases de sucesso, mas é fundamental analisar qual o modelo de negócio circular que faz mais sentido para sua realidade e estabelecer as conexões que vão colaborar com o propósito de criar um fluxo para que as peças de roupa e os resíduos têxteis que são gerados na produção possam permanecer o maior tempo possível nos ciclos de consumo e produtivo, gerando valor crescente para os recursos.

De forma geral, a sociedade está permeada por uma cultura de desperdício que não está associada apenas à indústria da moda, este é um problema que perpassa diferentes setores como a indústria de eletroeletrônicos e de alimentos. A jornada de transição de um modelo de produção linear para um modelo circular deve começar com a mudança de mindset, e nesse sentido, vale a pena repetir o clichê “menos é mais”, que é um pensamento simples, mas que tem um grande significado e pode fazer diferença nesse momento.

Dado o tamanho do desafio, é oportuno lembrar que este é um caminho que deve ser percorrido coletivamente. Por isso, a cooperação deve ser uma das palavras-chave quando o assunto é economia circular.

 

Imagem: Rachel Claire no Pexels.


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